Para este artigo, fizemos a melhor pesquisa possível, inclusive levando em conta ambiente legal, regulatório e impostos em outros países do mundo, para esclarecermos se o consumidor brasileiro realmente se comporta diferentemente de outros países ou se só paga o que paga pelos carros por uma adaptação ao ambiente local. Esperamos que goste.
No Brasil, um Volkswagen Gol 1.0 de 2012, com 150 mil km rodados, é anunciado em sites como Webmotors por R$ 28 mil. Nos Estados Unidos, um Toyota Corolla 2019, com 50 mil milhas (80 mil km), sai por US$ 14 mil — cerca de R$ 70 mil ao câmbio atual —, apesar de ser mais novo e equipado. Por que essa diferença gritante? Não é o consumidor brasileiro aceitando preços altos por capricho, nem o americano descartando carros por extravagância. A resposta está nas engrenagens econômicas e legais que fazem do usado no Brasil um bem precioso e, nos EUA, quase um item descartável.
Tudo começa com o preço dos carros novos no Brasil. Um Fiat Mobi 2025, modelo básico, custa R$ 77 mil na concessionária, já carregado de impostos como IPI (7% a 25%), ICMS (12% a 18%, dependendo do estado), PIS e COFINS — uma carga tributária que ultrapassa 40% do valor final. Esse custo inicial se reflete nos usados: o mesmo Mobi, com dois anos de uso, ainda vale R$ 55 mil, uma depreciação de apenas 24%. Em Economics of Regulation and Antitrust (sem versão em português), W. Kip Viscusi explica que mercados com alta tributação e barreiras à entrada sustentam preços elevados em cascata, algo visível no setor automotivo brasileiro.
A proibição de importar carros usados, em vigor desde 1990, agrava o cenário. Enquanto no Chile um Hyundai Accent 2015 importado dos EUA custa o equivalente a R$ 35 mil, no Brasil um Hyundai HB20 2015, similar em categoria, não sai por menos de R$ 45 mil. Em A Riqueza das Nações, Adam Smith defendia que a falta de concorrência eleva preços ao limitar opções, um princípio que se aplica aqui: sem importações de carros usados, o mercado brasileiro depende exclusivamente da frota local. Um exemplo prático: um Honda Civic 2010 vale, em média, R$ 48 mil no Brasil, mas nos EUA o mesmo modelo, com quilometragem parecida, é encontrado por US$ 8 mil (R$ 40 mil) em plataformas como Autotrader.
Manter um carro no Brasil não é barato, mesmo com mão de obra acessível, mas custa menos que nos EUA. Trocar a correia dentada de um Fiat Palio 2010 custa cerca de R$ 500, sendo uns R$ 300 de mão-de-obra e pouco mais de R$ 200 da peça (normalmente mais caro se comprar direto da oficina), segundo preços médios de oficinas em São Paulo. Nos EUA, o kit de correia dentada para um Ford Focus 2010, carro que também foi vendido no Brasil, sai por pouco mais de US$ 300 (quase R$ 2.000), mas a mão de obra de US$ 600 eleva o total a mais de US$ 1000 (cerca de R$ 6.000). No Brasil, carros e peças subiram acima da inflação oficial entre 2020 e 2024, reflexo de um mercado de reposição dominado por montadoras e da falta de importações baratas, mas o custo mais baixo do serviço ainda reflete numa manutenção mais barata, pelo menos em termos nominais.
O sistema tributário, também, incentiva segurar o carro. Um Chevrolet Celta 2005, com 20 anos, está isento de IPVA em São Paulo, onde o imposto para um modelo 2016 seria de pouco mais de R$ 1.300 anuais. No Japão, o “shaken” (inspeção obrigatória anual para carros com mais de três anos de uso) para um Toyota Corolla 2005 custaria 130 mil ienes (R$ 4.500) por ano, forçando a troca. Em The Theory of Incentives (sem versão em português), Jean-Jacques Laffont mostra como políticas fiscais moldam escolhas: no Brasil, a isenção do IPVA torna mais lógico consertar um Celta velho do que comprar um novo, sustentando a demanda por usados e seus preços altos.
Nos EUA, o carro novo é tentador. Um Toyota Corolla LE 2025 custa US$ 22 mil (R$ 110 mil), menos de 50% do salário mediano anual de US$ 62 mil, segundo o Bureau of Labor Statistics. Financiamentos a 1,9% ao ano, com parcelas de US$ 350, ou um leasing de US$ 235 mensais por três anos tornam o novo acessível. Em Capitalismo e Liberdade, Milton Friedman destaca que crédito fácil e alta oferta impulsionam o consumo — um efeito claro quando um Corolla 2022 usado, com 30 mil milhas, já cai para US$ 16 mil em sites como CarMax.
O mercado de usados americano é saturado. Um Ford Escape 2018, SUV compacto, custava US$ 28 mil novo e hoje vale US$ 13 mil, graças a leilões de locadoras como Enterprise, Hertz, Movida e outras e, em menor grau, importações de países como o Canadá. Manter um carro velho, porém, pesa: consertar a direção de um Chevrolet Malibu 2010 pode custar quase US$ 800 (R$ 4.000), sendo US$ 600 de mão de obra, segundo a AAA. Um relatório da associação estima que o custo anual de um usado chega a US$ 4.500, contra US$ 6.000 de um novo financiado. Gastar US$ 2.000 em reparos num carro que vale US$ 10 mil equivale a dois terços do custo anual de um leasing (cerca de US$ 3.000 por ano, ou US$ 9.000 em três anos), o que leva muitos a optar pela troca.
Nos EUA, não há alívio para carros velhos: em Nova Jersey, o imposto anual de um Honda Accord 2010 é de US$ 200, e na Califórnia normas de emissões podem exigir catalisadores de US$ 1.000 para regularizá-lo. Lá, varia por estado. No Brasil, um Fiat Marea 2001 roda sem IPVA e sem precisar contratar seguro. Em Lógica da Ação Coletiva, Mancur Olson explica que consumidores adaptam-se às condições: o brasileiro segura o carro por necessidade e economia; o americano troca por abundância e custo.
Não é o brasileiro “aceitando” pagar R$ 35 mil num Renault Sandero 2016, nem o americano “desperdiçando” ao vender um Jeep Cherokee 2017 por US$ 15 mil. No Brasil, impostos, mercado fechado e incentivos fiscais explicam os preços altos. Nos EUA, crédito, oferta e manutenção cara justificam a rotatividade. Joseph Stiglitz, em The Price of Inequality, resume: sistemas econômicos definem escolhas. Enquanto o Brasil mantiver suas barreiras, o usado seguirá caro. Nos EUA, a renovação não para. Dois mercados, duas realidades, uma lógica: o bolso manda.
Imagem: um pátio de carros velhos, com um deles anunciado como seminovo. Arte/Blogolandia
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