Por que carro elétrico desvaloriza mais que a combustão?

Carro elétrico desvaloriza muito mesmo? Vamos destrinchar se isso é verdade para o mercado inteiro e colocar o quanto desvalorizam, neste artigo.

O mercado automotivo brasileiro vive uma transformação com a crescente adoção de carros elétricos. Esses veículos, que prometem eficiência, sustentabilidade e tecnologia avançada, têm conquistado espaço nas ruas, mas um fenômeno preocupa consumidores e especialistas: a rápida desvalorização no mercado de usados. Enquanto automóveis a combustão e híbridos mantêm valores mais estáveis, os elétricos enfrentam perdas que, em alguns casos, superam 40% em poucos anos. Este cenário levanta questões sobre as razões por trás dessa depreciação acelerada e o que ela revela sobre o mercado brasileiro. A seguir, exploramos os principais fatores que explicam esse fenômeno, desde questões tecnológicas até dinâmicas econômicas, culturais e os modelos que mais — e menos — sofreram com a desvalorização.

A Revolução dos Preços e a Concorrência Agressiva

A intensa concorrência no setor automotivo é um dos principais motores da desvalorização dos carros elétricos. Nos últimos anos, o Brasil viu a chegada de novas montadoras, especialmente asiáticas, que introduziram modelos elétricos com preços significativamente mais baixos do que os de marcas tradicionais. Essas empresas adotaram estratégias agressivas, reduzindo margens para conquistar mercado. Como resultado, os preços de veículos novos caíram, impactando diretamente o valor de revenda dos modelos já em circulação.

Quando um novo elétrico é lançado com preço competitivo, ele pressiona os valores dos concorrentes e até de modelos anteriores da mesma marca. Um hatch elétrico que custava R$ 150 mil há dois anos pode ser superado por um lançamento mais moderno e acessível, forçando proprietários a reduzirem o preço de revenda para atrair compradores. Essa dinâmica cria um ciclo de depreciação que não se observa com a mesma intensidade em carros a combustão, onde os preços de novos e usados mantêm maior equilíbrio.

Além disso, ajustes frequentes nos preços para escoar estoques ou responder a mudanças nas políticas de importação agravam o problema. A reintrodução gradual de impostos sobre elétricos importados em 2024 elevou os custos de alguns modelos, mas a antecipação de importações por grandes players criou um excesso de oferta. Essa saturação força concessionárias a oferecer descontos, desvalorizando ainda mais os seminovos.

A Incerteza Tecnológica e o Medo das Baterias

A percepção de risco associada à tecnologia dos carros elétricos, especialmente às baterias, é outro fator crucial. As baterias de íon-lítio, peça central desses veículos, são caras e sujeitas a desgaste com o tempo. No Brasil, onde a cultura automotiva é fortemente ligada a motores a combustão, os consumidores temem comprar um elétrico usado com baterias próximas do fim de sua vida útil.

O custo de substituição de uma bateria pode chegar a dezenas de milhares de reais, muitas vezes equiparável ao valor de mercado do carro após alguns anos. Esse risco desestimula compradores no mercado de usados, que preferem evitar despesas futuras. Mesmo com garantias de até oito anos oferecidas por montadoras, a falta de clareza sobre manutenção e disponibilidade de peças no longo prazo amplifica a insegurança.

A rápida evolução tecnológica também contribui. Modelos lançados há poucos anos são considerados obsoletos frente a novos elétricos com maior autonomia, recarga mais rápida e softwares avançados. Essa obsolescência planejada, comum em tecnologias emergentes, faz com que os primeiros elétricos lançados no Brasil percam valor rapidamente, já que os consumidores priorizam novidades.

Infraestrutura Limitada e Demanda Restrita

A infraestrutura de recarga no Brasil, embora em expansão, permanece um obstáculo. Apesar do aumento no número de eletropostos, a maioria está concentrada em grandes centros do Sudeste, deixando regiões menos urbanizadas com acesso limitado. Para o consumidor médio, especialmente fora das metrópoles, um elétrico usado é menos prático do que um veículo a combustão ou híbrido, que não depende de pontos de recarga.

Essa limitação reduz a demanda por elétricos seminovos. Proprietários que tentam revender seus veículos enfrentam dificuldades para encontrar compradores dispostos a pagar preços próximos ao valor original, especialmente em cidades menores. Como resultado, os preços caem para tornar os carros mais atrativos, alimentando a desvalorização.

A demanda restrita também reflete a percepção de que os elétricos são voltados para um público de nicho. Enquanto os carros a combustão atendem a uma ampla gama de consumidores, os elétricos ainda são associados a compradores de maior poder aquisitivo ou com interesse em sustentabilidade. Essa segmentação limita o mercado de revenda, já que o perfil de compradores de usados busca opções mais acessíveis e versáteis.

Cultura Automotiva e Resistência à Mudança

A cultura automotiva brasileira, moldada por décadas de dependência de combustíveis fósseis, também contribui para a desvalorização. O consumidor médio avalia carros com base em custo de manutenção, facilidade de revenda e disponibilidade de peças. Nesse contexto, os elétricos enfrentam desvantagens, pois são vistos como uma tecnologia experimental.

A rede de assistência técnica para elétricos é limitada. Enquanto oficinas para carros a combustão estão amplamente disponíveis, os elétricos exigem profissionais especializados e equipamentos específicos. O receio de custos elevados de reparo, mesmo para problemas simples, faz os consumidores hesitarem em adquirir um elétrico usado, preferindo opções mais familiares.

A desconfiança em relação a marcas menos conhecidas, especialmente as asiáticas que dominam o segmento de elétricos acessíveis, também afeta a revenda. Embora essas montadoras tenham ganhado espaço, muitas ainda precisam consolidar sua reputação no Brasil, impactando a confiança no valor de seus modelos usados.

Os Carros Elétricos que Mais — e Menos — Desvalorizaram

A desvalorização dos elétricos varia significativamente entre modelos, refletindo diferenças em estratégia de mercado, reputação da marca e aceitação do consumidor. Alguns veículos sofreram perdas drásticas, enquanto os mais novos parecem manter melhor valor, pelo menos num espaço de tempo menor.

Modelos com Maior Desvalorização

Entre os elétricos que mais perderam valor, destacam-se:

  • Renault Kwid E-Tech: Perdeu cerca de 42% em dois anos, caindo de R$ 146 mil para menos de R$ 85 mil, impactado pela concorrência de modelos mais baratos e maior autonomia.
  • Peugeot e-208 GT: Desvalorizou 46% em dois anos, de R$ 276 mil para cerca de R$ 140 mil, devido à percepção de manutenção cara e à falta de atualizações.
  • Jaguar I-Pace: Registrou perda superior a 70% em cinco anos, resultado de sua descontinuação e suporte limitado no Brasil.

Modelos com Menor Desvalorização
Por outro lado, alguns elétricos mais novos parecem manter mais valor, quase comparável à desvalorização de carros a combustão, ainda que nossa janela de comparação seja de um tempo menor:

  • BYD Dolphin: Perdeu apenas 14% em um ano, de R$ 150 mil para cerca de R$ 128 mil, beneficiado pela política de preços estável da BYD.
  • Volvo EX30: Desvalorizou 7% em poucos meses, mantendo-se atrativo por sua reputação premium e tecnologia avançada.
  • GWM Ora 03 GT: Registrou depreciação de 11%, apoiado por um programa de recompra que garante revenda a 80% do valor inicial após dois anos.

Essas diferenças mostram que marcas com estratégias claras, como preços estáveis e garantias de recompra, parecem proteger melhor o valor de revenda, enquanto modelos descontinuados ou de marcas com menor penetração sofrem mais.

Perspectivas para o Futuro

Embora a desvalorização dos elétricos seja um desafio, há sinais de estabilização no horizonte. O crescimento da infraestrutura de recarga, projetado para se expandir significativamente, deve tornar os elétricos mais práticos. A produção local de componentes, como baterias, e a fabricação de modelos no Brasil podem reduzir custos e estabilizar preços, beneficiando o mercado de usados.

A familiaridade dos consumidores com a tecnologia também tende a crescer, reduzindo a resistência cultural. Programas de recompra e garantias estendidas, já adotados por algumas montadoras, podem mitigar perdas. Além disso, a preocupação com sustentabilidade pode impulsionar a demanda por elétricos, ampliando o mercado de seminovos.

Um Desafio Transitório?

A desvalorização acelerada dos carros elétricos no Brasil reflete um mercado em transição. A concorrência agressiva, a incerteza tecnológica, a infraestrutura limitada, a cultura automotiva tradicional e as diferenças entre modelos criam um ambiente desafiador para a valorização desses veículos no mercado de usados. No entanto, esses obstáculos não são intransponíveis. Com investimentos em infraestrutura, avanços em baterias e maior aceitação, os elétricos têm potencial para se tornarem tão estáveis quanto os carros a combustão.

Por enquanto, consumidores que consideram um elétrico devem pesar os benefícios de eficiência e sustentabilidade contra o risco de depreciação, escolhendo modelos como o BYD Dolphin, Volvo EX30 ou GWM Ora 03 GT, que oferecem maior segurança na revenda. Para o mercado, o desafio é construir um ecossistema que equilibre inovação e confiança, garantindo que os carros elétricos sejam não apenas o futuro da mobilidade, mas também um investimento seguro para o brasileiro.

Imagem: um carro elétrico estranho. Arte/Blogolandia.

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