O carro popular pode voltar ao Brasil?

Com preços acima de R$ 70 mil, equipados com airbags, freios ABS, controles de estabilidade e outros itens, pode-se dizer que o carro popular acabou no Brasil. Mas será que um dia pode voltar?

A indústria automotiva se diversificou nos últimos anos e são diferentes modelos à disposição dos motoristas brasileiros. No entanto, nos últimos dias, também se tornaram quase cotidianas notícias de montadoras que têm suspendido a produção de automóveis em suas fábricas e, diante disso, são obrigadas a dar férias coletivas aos seus colaboradores. Esse cenário se apresenta como consequência da alta oferta de automóveis de um lado e, de outro, do baixo poder de consumo dos brasileiros que, ainda por cima, não podem recorrer a um financiamento em razão da alta taxa de juros. Caso as coisas se mantenham como estão, é possível afirmar que será difícil termos novamente, no mercado nacional, um modelo de carro popular, isto é, um veículo de baixo custo, geralmente com motor 1.0, que foi muito comum no país na década de 1990 e início dos anos 2000.

Quais fatores ajudam a explicar a alta no preço dos automóveis nos últimos anos?

Nos últimos anos, a indústria de automóveis tem enfrentado crise atrás de crise: em um primeiro momento, a falta de semicondutores a nível global, por exemplo, comprometeu a produção. Conforme informações fornecidas pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), em julho de 2021, mais de 12% dos fabricantes de diferentes setores atuando no Brasil foram obrigados a paralisar parte considerável de suas produções por conta da falta de componentes eletrônicos. Entre as explicações para a crise dos semicondutores está a tensão geopolítica entre Estados Unidos e China, e um erro de cálculo de alguns fabricantes ainda no início da pandemia ainda no primeiro trimestre de 2020, o qual fez com que houvesse escassez dos semicondutores. Nos primeiros meses da pandemia de covid-19, várias montadoras de veículos optaram por suspender a encomenda de semicondutores. Porém, em virtude do necessário distanciamento social, atividades home office tornaram-se comuns e equipamentos eletrônicos como smartphones e notebooks passaram a ser essenciais e, portanto, muito procurados. Os semicondutores disponíveis, dessa forma, foram redirecionados a esses equipamentos eletrônicos e as indústrias de automóveis, quando voltaram a produzir, acabaram perdendo essa corrida e ficaram sem esse componente.

Junto à crise dos semicondutores, que ainda não foi completamente resolvida, está o baixo poder aquisitivo dos brasileiros. Com pouco dinheiro no bolso, a alternativa mais viável seria fazer um financiamento, certo? Não com a atual taxa de juros no Brasil. Recentemente, mesmo com protestos por parte do governo federal, o Banco Central optou por manter em 13,75% a taxa de juros, valor que praticamente inviabiliza um financiamento. Nesse cenário, montadoras como Volkswagen, Stellantis, Hyundai e General Motors, têm acendido o sinal de alerta e optam por suspender a produção. Dessa forma, conseguem controlar seus estoques e torcem para mudanças no campo econômico que possam estimular a compra de carros 0 km. Tais mudanças, no entanto, parecem distantes a curto prazo.

Relembre a história do carro popular no Brasil

A história do carro popular no Brasil teve início nos anos 90, quando o governo federal criou o Programa de Incentivo à Modernização da Frota de Táxis (Protaxi), que permitia a isenção de impostos na compra de veículos com motorização até 1.0.

Essa iniciativa foi adotada pelas montadoras, que passaram a produzir veículos mais baratos para atender à demanda do mercado brasileiro. O primeiro modelo a ser lançado nessa categoria foi o Fiat Uno Mille, em 1990. Com preço mais acessível do que os modelos convencionais, o Uno Mille tornou-se um grande sucesso de vendas.

A partir daí, outras montadoras também lançaram modelos populares, como o Volkswagen Gol 1000, o Ford Ka e o Chevrolet Celta, por exemplo. Esses carros conquistaram um público amplo, que buscava um veículo mais econômico e acessível.

No entanto, ao longo dos anos, as exigências de segurança e emissões de poluentes se tornaram mais rigorosas, o que aumentou os custos de produção e fez com que os preços dos carros populares subissem. Com isso, o mercado foi gradativamente se direcionando para modelos mais sofisticados e tecnológicos, deixando os carros populares em segundo plano.

Mesmo assim, algumas montadoras continuam a produzir modelos considerados mais acessíveis, como o Renault Kwid e o Fiat Mobi, por exemplo. No entanto, o Kwid, modelo com projeto bastante simples, lista reduzida de itens de série e equipamentos de segurança que cumprem apenas as normas legais, custa mais de R$68.000, valor irreal para um carro considerado popular no mercado brasileiro.

Com isso, as montadoras seguem com a luz amarela ligada, mas não podemos deixar de questionar o quanto elas próprias têm culpa nesse cenário de baixa procura de carros 0 km. Há alguns anos, as fabricantes de automóveis têm abandonado a produção de modelos acessíveis para investir naquelas capazes de oferecer uma margem de lucro mais atraente. O sucesso dos SUVs se explica em razão disso. Porém, mesmo esses modelos, atrativos a um público com maior poder aquisitivo, têm sentido o peso das indefinições na política econômica, e esses consumidores optam por, em muitos casos, guardar o dinheiro que possuem e aguardar mudanças no cenário.

E então: O carro popular pode voltar ao Brasil?

A resposta a curto prazo é não, pelo menos se as condições do atual contexto se mantiverem. Assim, o motorista brasileiro se vê cada vez mais distante de adquirir seu carro popular e o Brasil, por sua vez, parece cada vez mais longe de ter, disponíveis no mercado, modelos acessíveis como um dia foram o Uno, o Ka ou o Celta.

Movimentos para isso já têm aparecido: Antonio Filosa, CEO da Stellantis para a região da América Latina (a Stellantis é um conglomerado que engloba marcas como Fiat, Peugeot, Citroën, RAM, entre outras), defende que a exigência de itens de segurança seja flexibilizada para produzir carros mais baratos. Ele citou o exemplo do Citroën Ami, um carro urbano de 2 lugares, sem porta-malas e que não passa de 45km/h, como alternativa. O carro poderia vir sem direção hidráulica ou elétrica, sem freios ABS, sem airbags, sem ar condicionado, sem central multimídia, tudo para baratear.

Tem quem possa torcer o nariz, mas a proposta faz todo o sentido. Afinal, quem quer um veículo novo e não pode comprar carro, hoje, vai para uma moto, que não tem a grande maioria dos itens de segurança previstos em um carro e acaba sendo um veículo menos seguro, em caso de acidentes, que um Gol ou Mille popular da década de 1990. Não precisa ser tão lento quanto o Citroën Ami, mas desenvolvendo velocidade suficiente para trânsito urbano e eventual uso em rodovias e vias expressas em trajeto urbano, com certeza seria uma ótima alternativa.

Nas imagens, o Citroën Ami, sugerido pelo CEO da Stellantis para a América Latina. Não é um carro para família ou viagens, mas já seria suficiente para as demandas de transporte urbano de parte considerável da população brasileira. No detalhe, modelo tem suporte e carregador para celular no lugar onde ficaria a central multimídia, porta-copos e possibilidade de carregar cargas no lugar do banco do passageiro.

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